Preservação dos céus escuros e silenciosos

Introdução

Observar as estrelas e distinguir constelações, estrelas cadentes e cometas é uma atividade agradável que nos situa na nossa casa cósmica. A astronomia é a ciência mais antiga da humanidade e durante milhares de anos, os homens usaram as estrelas como guias e relógios celestes. No entanto, nas últimas décadas a qualidade do céu noturno tem vindo a diminuir como consequência da atividade humana, tanto devido a poluição vinda do solo, incluindo poluição luminosa, como a poluição vinda do nosso céu, incluindo aviões e a ameaça iminente de satélites colocados em baixas órbitas terrestres. 

De acordo com um relatório de 2016, a poluição luminosa tem um impacto de mais de 80% na capacidade da população mundial em observar o céu noturno. A maravilhosa visão da Via Láctea estendendo-se ao longo de todo o céu está rapidamente a tornar-se uma visão do passado e várias gerações cresceram já nem nunca verem contemplado a verdadeira beleza do céu noturno. Atualmente, um terço da humanidade não consegue ver a Via Láctea durante a noite devido à poluição luminosa. Adicionalmente, satélites recentemente lançados começam também a poluir o modo como observamos o céu noturno, dando origem a artefactos nas imagens astronómicas

Assim, que tipos de poluição afetam os nossos céus e o que é que o ESO está a fazer para os mitigar? 

As ameaças que enfrentam os nossos céus

Poluição luminosa

A poluição luminosa é normalmente definida como “luz artificial que brilha onde não é desejada nem necessária”. Mais e mais, o resultado é um abrilhantamento da escuridão natural do céu noturno, o que dificulta a observacão de objetos astronómicos a partir de zonas com elevada poluição luminosa. A poluição luminosa resulta de um aumento da industrialização e de um uso ineficaz e excessivo de fontes de luz nas cidades e outras áreas. As fontes de poluição luminosa incluem tanto luz interior como exterior, com as fontes de luz exterior, tais como candeeiros de rua, holofotes, e brilhantes ecrãs publicitários, a contribuir mais fortemente para o impacto ambiental da poluição luminosa. 

Os astrónomos profissionais são um dos grupos para os quais os efeitos da poluição luminosa coloca desafios. Luzes errantes fazem literalmente o céu brilhar, tornando difícil observar objetos ténues a partir da Terra: quanto mais brilhante o céu, menos estrelas conseguimos ver, o que tem um efeito significativo nas imagens do céu noturno, especialmente quando pretendemos obter imagens fotométricas (que medem o brilho da emissão de objetos astronómicos). Isto deve-se à dificuldade de separar a luz da poluição luminosa dos sinais de luz vindos do cosmos. 

A poluição luminosa afecta também astrónomos amadores, pessoas e animais. A luz introduz-se em quartos, distrai condutores e perturba o relógio biológico natural dos animais. O Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2017 foi atribuído a um grupo de investigadores cujas descobertas mostraram que o corpo humano necessita de ritmos de luz natural de dia e de escuridão à noite para se manter saudável e, estudos subsequentes ligaram o aumento da poluição luminosa ao aumento das taxas de determinados cancros

A vida selvagem tanto nas zonas rurais como nas zonas urbanas sofre também perturbações devido à poluição luminosa. Bandos de aves migratórias e escaravelhos orientam-se segundo a Via Láctea e consequentemente ficam desorientados devido à poluição luminosa. Adicionalmente, a poluicão luminosa contribui para um enorme gasto de energia, já que a luz precisa de energia tanto para ser produzida como para ser usada. Por exemplo, um estudo de 2012 mostrou que uma pequena vila em Itália gastou 60% da sua energia em luz de rua. Reduzir o excesso de luz pode também, por isso, ajudar a reduzir a nossa pegada de carbono.

Para tentar mitigar o problema da poluição luminosa, os astrónomos constroem os seus telescópios longe das cidades, em zonas remotas de céus escuros, tais como o Observatório do Paranal do ESO no deserto chileno do Atacama. Mas mesmo em locais muito remotos, os límpidos céus escuros estão cada vez mais em risco de poluição luminosa devido ao crescimento dos centros urbanos perto dos observatórios.

How light pollution affects the dark night skies
Esta imagem ilustra a escala de Bortle, que mede o impacto da poluição luminosa no céu escuro em determinado lugar. A imagem mostra, da esquerda para a direita, o aumento de número de estrelas visíveis nas cidades e em excelentes condições de céu escuro.
Credit: ESO/P. Horálek, M. Wallner
 

Satélites em órbitas baixas

Começa a surgir uma nova ameaça na luta para proteger a nossa visão do céu noturno: o grande número de satélites que estão a ser colocados em órbitas terrestres baixas. Cem mil (100 000) satélites é o número que poderá ser colocado nestas órbitas por companhias como as SpaceX, Amazon e OneWeb, durante a próxima década. Apesar de importantes para as redes de comunicações globais, estes satélites poderão ter impacto na astronomia pela sua enorme quantidade, o seu brilho no céu e as suas emissões rádio omnipresentes. Quando iluminado pela luz solar, um satélite pode aparecer como um ponto luminoso no céu, quase como um avião ténue e distante. Devido ao seu número e à luz solar que refletem, estes satélites podem perturbar as medições feitas por observatórios colocados no solo, particularmente as obtidas durante o crepúsculo. 

Albireo in Cygnus with Starlink Satellites
Albireo no Cisne com satélites Starlink
Credit: Rafael Schmall

Observações levadas a cabo por telescópios espaciais situados em órbitas terrestres baixas, tais como o Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA Hubble, podem também ser afectadas por satélites que cruzam o campo de visão dos telescópios. Os telescópios propriamente ditos poderão também ser danificados (ou mesmo destruídos) em colisões com outros satélites ou lixo espacial, como vimos no filme Gravity de 2013 onde o telescópio Hubble foi desfeito por lixo espacial

Um número cada vez maior de satélites começará a ser detectado por cima de todos os observatórios, o que terá efeitos notórios em imagens de grande angular obtidas durante o crepúsculo — ao amanhecer e ao anoitecer. 

Estes satélites também têm impacto na astronomia rádio, pois correspondem a centenas de transmissores rádio colocados por cima do horizonte dos observatórios, o que afectará as medições feitas pelos telescópios rádio extremamente sensíveis, tais como o APEX ou o ALMA, do qual o ESO é um parceiro. (Note, no entanto, que estudos detalhados dos efeitos das constelações de satélites no ALMA ou APEX estão a ser levados a cabo, mas não foram ainda concluídos.) 

O ESO está ativamente envolvido no estudo dos potenciais efeitos das novas constelações de satélites. Em 2020, um estudo do ESO descreveu os impactos das novas constelações de satélites em observações astronómicas feitas a partir do solo no visível e no infravermelho próximo. O estudo mostrou que telescópios como o Very Large Telescope (VLT) do ESO e o futuro Extremely Large Telescope (ELT), ambos instalados no deserto chileno do Atacama, serão "moderadamente afectados" por estes satélites. Um estudo mais recente, feito no seguimento da análise anterior e publicado em 2022, detalhou mais estes resultados.

O efeito é mais pronunciado nas exposições longas, 3% das quais podem ficar arruinadas durante o crepúsculo. O estudo também mostrou que o maior impacto das novas constelações de satélites far-se-á sentir em rastreios de grande campo executados por telescópios como o Observatório Vera C. Rubin da Fundação de Ciências Nacional do EUA (que não é uma infraestruturas do ESO), com até 30-50% das observações obtidas durante o crepúsculo a ficarem “seriamente afectadas”. 

A missão do ESO para proteger os nossos céus escuros e silenciosos

O ESO tem estado ativamente envolvido numa campanha de preservação dos céus escuros e silenciosos, participando em muitos projetos que apoiam a diminuição da poluição resultante de luzes errantes, constelações de satélites e aviões. Por exemplo, por cima do Observatório do Paranal do ESO existe uma redução dos voos de tal modo que os aviões que passam na vizinhança deste observatório nunca se encontram mais altos que determinada elevação, quando vistos pelos telescópios. 

Através do Comité Conjunto ESO-Governo do Chile, o ESO financia diversas iniciativas regionais e nacionais para sensibilizar o público relativamente ao problema da poluição luminosa. Mais importante ainda, o ESO e observatórios parceiros patrocionam e financiam o Gabinete para a Proteção da Qualidade do Céu no Norte do Chile (OPCC), cuja missão é proteger da poluição luminosa os céus noturnos das regiões de Antofagasta, Atacama e Coquimbo. O OPCC estabelece ligações entre organizações astronómicas e as autoridades chilenas com o objetivo de encontrar soluções práticas à ameaça de céus cada vez mais brilhantes. Estas soluções vão desde conselhos aos cidadãos locais sobre design de iluminação, até à introdução de novas normas de iluminação.

O ESO tem advertido extensivamente para os perigos que as constelações de satélites colocam aos observatórios astronómicos terrestres. Os cientistas e os especialistas políticos do ESO fizeram parte do Grupo de Trabalho Céus Escuros e Silenciosos, uma colaboração internacional liderada pela União Astronómica Internacional (IAU, sigla do inglês), que sumariou as suas conclusões sobre a proteção dos céus escuros e silenciosos em dois relatórios, publicados em 2020 e 2021

Em colaboração com a IAU e outras organizações parceiras, o ESO avancou também com uma petição ao Comité de Usos Pacíficos do Espaço Exterior (COPUOS, acrónimo do inglês) das Nações Unidas para uma melhor proteção dos nossos céus escuros e silenciosos. Em 2022, esta colaboração submeteu  ao COPUOS um artigo que foi debatido na 59ª sessão do Subcomité Técnico e Científico do COPUOS. Tratou-se da primeira vez que o assunto dos céus escuros e silenciosos foi agendado de modo formal pelas Nações Unidas.

"É do (...) interesse de toda a comunidade científica internacional proteger as capacidades de observação astronómica globais de interferências artificiais adversas significativamente nocivas e prejudiciais." Artigo do COPUOS da UN sobre a Proteção dos céus escuros e silenciosos, 2022 

Manter-se na vanguarda das várias iniciativas políticas relativas à astronomia é muito importante para o ESO, que desempenha o papel de observador permanente no COPUOS. O ESO também está envolvido em diversas outras organizações que apoiam a proteção dos céus escuros e silenciosos, tendo uma afiliação permanente na Associação Internacional Dark-Sky, e seguindo de perto outras iniciativas regionais, tais como a Conferência Europeia de Céus Escuros. O ESO é também Membro Contribuidor do Centro para a Proteção dos Céus Escuros e Silenciosos da Interferência das Constelações de Satélites da IAU, que foi estabelecido em Abril de 2022 para coordenar esforços internacionais multidisciplinares que ajudem a mitigar o impacto negativo das constelações de satélites nas observações astronómicas no visível e no rádio, assim como no prazer que a humanidade tira da contemplação do céu noturno.

O ESO contribui igualmente para iniciativas que pretendem proteger os céus escuros e silenciosos para todas as pessoas, fazendo parte de projetos como o consórcio STARS4ALL, financiado pela União Europeia, e a Iniciativa Starlight, apoiada pela UNESCO, IAU, Organização de Turismo Mundial das Nações Unidas (UNWTO, sigla do inglês) e outras organizações mundiais. 

“Um céu noturno despoluído que permita contemplar e apreciar o firmamento devia ser considerado um direito sócio-cultural e ambiental fundamental,” pode ler-se na resolução da IAU sobre o céu noturno, “O céu noturno tem sido e continua a ser uma inspiração para a humanidade e a sua contemplação representa um elemento essencial no desenvolvimento do pensamento científico em todas as civilizações.”