Nota de Imprensa
Morte por esparguetificação: Telescópios do ESO observam os últimos momentos de uma estrela a ser devorada por um buraco negro
12 de Outubro de 2020
Com o auxílio de telescópios do ESO e de outras organizações de todo o mundo, os astrónomos observaram uma explosão luminosa rara de uma estrela a ser desfeita por um buraco negro supermassivo. Este fenómeno, conhecido por evento de perturbação de marés, trata-se do mais próximo de nós registado até à data, situado a apenas pouco mais de 215 milhões de anos-luz de distância da Terra, e foi estudado com um detalhe sem precedentes. Este trabalho de investigação foi publicado hoje na revista da especialidade Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
“A ideia de que um buraco negro “suga” uma estrela próxima parece saída da ficção científica. Mas é exatamente o que acontece num evento de perturbação de marés,” diz Matt Nicholl, professor e investigador da Sociedade Real Astronómica britânica na Universidade de Birmingham, Reino Unido, e autor principal deste novo estudo. Estes eventos de perturbação de marés, onde a estrela é sujeita ao algo chamado “esparguetificação” quando está a ser sugada pelo buraco negro, são raros e nem sempre fáceis de estudar. A equipa de investigadores utilizou o Very Large Telescope (VLT) e o New Technology Telescope (NTT), ambos do ESO, para observar um clarão de luz registado o ano passado perto de um buraco negro supermassivo, de modo a investigar com detalhe o que acontece quando uma estrela é devorada por um tal monstro.
Na teoria, os astrónomos sabem o que deve acontecer. “Quando uma estrela infeliz se aproxima demasiado de um buraco negro supermassivo situado no centro de uma galáxia, a extrema atração gravitacional exercida pelo buraco negro desfaz a estrela em finas correntes de matéria,” explica Thomas Wevers, autor do estudo e bolseiro do ESO em Santiago do Chile, que estava a trabalhar no Instituto de Astronomia da Universidade de Cambridge, Reino Unido, quando levou a cabo este trabalho. Quando alguns destes fios finos de material estelar caem no buraco negro durante o processo de esparguetificação, liberta-se um clarão brilhante de energia que pode ser detectado pelos astrónomos.
Apesar de brilhante e forte, até agora os astrónomos tinham tido dificuldade em investigar este clarão de luz, devido ao facto deste se encontrar frequentemente obscurecido por uma "cortina" de poeira e restos de material. Mas agora os astrónomos conseguiram finalmente obter pistas sobre a origem desta cortina.
“Descobrimos que, quando devora uma estrela, um buraco negro pode lançar uma quantidade de material para o exterior, obstruindo-nos assim a visão,” explica Samantha Oates, também da Universidade de Birmingham. Isto ocorre porque a energia libertada, quando o buraco negro “come” o material estelar, faz com que os restos da estrela sejam lançados para o exterior.
Esta descoberta foi possível porque o evento de perturbação de marés que a equipa estudou, AT2019qiz, foi descoberto pouco tempo depois da estrela ter sido desfeita. “Como apanhámos o evento cedo, pudemos ver a cortina de poeira e restos a ser criada à medida que o buraco negro lançava para o exterior uma poderosa corrente de matéria com velocidades de até cerca de 10000 km/s,” diz Kate Alexander, bolseira Einstein da NASA na Universidade Northwestern, EUA. “Este “espreitar por detrás da cortina” bastante único proporcionou-nos a primeira oportunidade de localizar a origem do material ocultante e seguir em tempo real como é que engolfa o buraco negro.”
A equipa observou AT2019qiz, situado numa galáxia em espiral na constelação de Erídano, durante um período de 6 meses, vendo o clarão luminoso aumentar de intensidade e depois desvanecer. “Vários rastreios do céu registaram a energia emitida por este novo evento de perturbação de marés muito cedo após a estrela se ter desfeito,” diz Wevers. “Começámos imediatamente a apontar um conjunto de telescópios, tanto terrestres como espaciais, nessa direção para vermos como é que a luz estava a ser produzida.”
Foram feitas observações múltiplas do evento durante os meses seguintes em infraestruturas que incluiram o X-shooter e o EFOSC2, instrumentos potentes montados no VLT e no NTT, situados no Chile. Observações imediatas e extensas no ultravioleta, óptico, raios X e ondas rádio revelaram, pela primeira vez, uma ligação direta entre o material que é arrancado à estrela e o clarão brilhante que é emitido quando esta é devorada pelo buraco negro. “As observações mostraram que a estrela tinha aproximadamente a mesma massa do nosso Sol e que perdeu cerca de metade dessa massa para o buraco negro gigante, o qual apresenta mais de um milhão de vezes a massa da estrela,” diz Nicholl, que é também investigador visitante na Universidade de Edinburgh, no Reino Unido.
Este trabalho ajuda-nos a compreender melhor os buracos negros supermassivos e como é que a matéria se comporta em ambientes de gravidade extrema. A equipa diz que AT2019qiz pode até ser uma “pedra da Rosetta” para interpretar observações futuras de eventos de perturbação de marés. O Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, previsto para começar a observar em meados desta década, permitirá a detecção destes eventos cada vez mais ténues e rápidos, ajudando assim a desvendar mais mistérios da física dos buracos negros.
Informações adicionais
Este trabalho foi descrito num artigo científico intitulado “An outflow powers the optical rise of the nearby, fast-evolving tidal disruption event AT2019qiz” publicado na revista da especialidade Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
A equipa é composta por M. Nicholl (Birmingham Institute for Gravitational Wave Astronomy e School of Physics and Astronomy, University of Birmingham, RU [Birmingham] e Institute for Astronomy, University of Edinburgh, Royal Observatory, RU [IfA]), T. Wevers (Institute of Astronomy, University of Cambridge, RU), S. R. Oates (Birmingham), K. D. Alexander (Center for Interdisciplinary Exploration and Research in Astrophysics e Department of Physics and Astronomy, Northwestern University, EUA [Northwestern]), G. Leloudas (DTU Space, Instituto Nacional do Espaço, Universidade Técnica da Dinamarca, Dinamarca [DTU]), F. Onori (Istituto di Astrofisica e Planetologia Spaziali (INAF), Roma, Itália), A. Jerkstrand (Max-Planck-Institut für Astrophysik, Garching, Alemanha e Departamento de Astronomia, Universidade de Estocolmo, Suécia [Stockholm]), S. Gomez (Center for Astrophysics | Harvard & Smithsonian, Cambridge, EUA [CfA]), S. Campana (INAF–Osservatorio Astronomico di Brera, Itália), I. Arcavi (Escola de Física e Astronomia, Universidade de Tel Aviv, Israel e CIFAR Azrieli Global Scholars program, CIFAR, Toronto, Canadá), P. Charalampopoulos (DTU), M. Gromadzki (Observatório Astronómico, Universidade de Varsóvia, Polónia [Warsaw]), N. Ihanec (Warsaw), P. G. Jonker (Departamento de Astrofísica/IMAPP, Universidade Radboud, Países Baixos [Radboud] e SRON, Instituto Holandês de Investigação Espacial, Países Baixos [SRON]), A. Lawrence (IfA), I. Mandel (Monash Centre for Astrophysics, School of Physics and Astronomy, Monash University, Austrália e The ARC Center of Excellence for Gravitational Wave Discovery – OzGrav, Austrália e Birmingham), S. Schulze (Departamento de Física das Partículas e Astrofísica, Instituto de Ciências Weizmann, Israel [Weizmann]) P. Short (IfA), J. Burke (Las Cumbres Observatory, Goleta, EUA [LCO] e Department of Physics, University of California, Santa Barbara, EUA [UCSB]), C. McCully (LCO e UCSB) D. Hiramatsu (LCO e UCSB), D. A. Howell (LCO e UCSB), C. Pellegrino (LCO e UCSB), H. Abbot (The Research School of Astronomy and Astrophysics, Australian National University, Austrália [ANU]), J. P. Anderson (Observatório Europeu do Sul, Santiago, Chile), E. Berger (CfA), P. K. Blanchard (Northwestern), G. Cannizzaro (Radboud e SRON), T.-W. Chen (Stockholm), M. Dennefeld (Instituto de Astrofísica de Paris (IAP) e Universidade Sorbonne, Paris, França), L. Galbany (Departamento de Física Teórica y del Cosmos, Universidad de Granada, Espanha), S. González-Gaitán (CENTRA-Centro de Astrofísica e Gravitação e Departamento de Física, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, Portugal), G. Hosseinzadeh (CfA), C. Inserra (School of Physics & Astronomy, Cardiff University, RU), I. Irani (Weizmann), P. Kuin (Mullard Space Science Laboratory, University College London, RU), T. Muller-Bravo (School of Physics and Astronomy, University of Southampton, RU), J. Pineda (Departamento de Ciencias Fisicas, Universidad Andrés Bello, Santiago, Chile), N. P. Ross (IfA), R. Roy (Centro Inter-Universidade de Astronomia e Astrofísica, Ganeshkhind, Índia), S. J. Smartt (Astrophysics Research Centre, School of Mathematics and Physics, Queen’s University Belfast, RU [QUB]), K. W. Smith (QUB), B. Tucker (ANU), Ł. Wyrzykowski (Warsaw), D. R. Young (QUB).
O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é de longe o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO tem 16 Estados Membros: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça, para além do país de acolhimento, o Chile, e a Austrália, um parceiro estratégico. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e operação de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope e o Interferómetro do Very Large Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo, para além de dois telescópios de rastreio: o VISTA, que trabalha no infravermelho, e o VLT Survey Telescope, concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é também um parceiro principal em duas infraestruturas situadas no Chajnantor, o APEX e o ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. E no Cerro Armazones, próximo do Paranal, o ESO está a construir o Extremely Large Telescope (ELT) de 39 metros, que será “o maior olho do mundo virado para o céu”.
Links
- Artigo científico
- Fotografias do VLT
- Fotografias do NTT
- Para cientistas: tem uma estória para nos contar? Fale-nos do seu trabalho de investigação
Contactos
Matt Nicholl
School of Physics and Astronomy and Institute of Gravitational Wave Astronomy, University of Birmingham
Birmingham, UK
Email: m.nicholl.1@bham.ac.uk
Thomas Wevers
European Southern Observatory
Santiago, Chile
Email: Thomas.Wevers@eso.org
Samantha Oates
Institute of Gravitational Wave Astronomy, University of Birmingham
Birmingham, UK
Email: sroates@star.sr.bham.ac.uk
Kate Alexander
Center for Interdisciplinary Exploration and Research in Astrophysics and Department of Physics and Astronomy, Northwestern University
Evanston, USA
Email: kate.alexander@northwestern.edu
Bárbara Ferreira
ESO Public Information Officer
Garching bei München, Germany
Tel: +49 89 3200 6670
Telm: +49 151 241 664 00
Email: pio@eso.org
Margarida Serote (Contacto de imprensa em Portugal)
Rede de Divulgação Científica do ESO
e Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço,
Tel: +351 964951692
Email: eson-portugal@eso.org
Sobre a Nota de Imprensa
Nº da Notícia: | eso2018pt |
Nome: | AT2019qiz |
Tipo: | Local Universe : Star : Evolutionary Stage : Black Hole |
Facility: | New Technology Telescope, Very Large Telescope |
Instrumentos: | EFOSC2, X-shooter |
Science data: | 2020MNRAS.499..482N |