Nota de Imprensa
Nova maneira de estudar atmosferas de exoplanetas
Tau Boötis b enfim revelado
27 de Junho de 2012
Uma nova técnica permitiu aos astrónomos estudarem pela primeira vez, a atmosfera de um exoplaneta em detalhe - embora este não passe em frente da sua estrela hospedeira. Uma equipa internacional utilizou o Very Large Telescope do ESO para captar diretamente o fraco brilho do planeta tau Boötis b. A equipa estudou a atmosfera do planeta e determinou pela primeira vez a sua órbita e massa de forma precisa - resolvendo assim um velho problema de 15 anos. Surpreendentemente, a equipa também descobriu que a atmosfera do planeta parece ser mais fria a maior altitude, o contrário do que se esperava. Os resultados serão publicados na revista Nature a 28 de Junho de 2012.
O planeta Tau Boötis b [1] foi um dos primeiros exoplanetas a ser descoberto em 1996 e continua a ser um dos mais próximos que se conhece. Embora a sua estrela hospedeira seja facilmente visível a olho nu, o planeta propriamente dito não o é, e até agora conseguia apenas detectar-se pelo efeito gravitacional que exerce sob a estrela. Tau Boötis b é um planeta grande e quente do tipo de Júpiter que orbita muito próxima da estrela hospedeira.
Tal como a maioria dos exoplanetas, este planeta não transita o disco da sua estrela (como o recente trânsito de Vénus). Até agora estes trânsitos eram essenciais para o estudo das atmosferas de exoplanetas quentes do tipo de Júpiter: quando um planeta passa em frente da sua estrela deixa uma marca das características da atmosfera na radiação estelar. Como nenhuma radiação estelar atravessa a atmosfera de Tau Boötis b em nossa direção, isso implicava que até agora a atmosfera do planeta não podia ser estudada.
No entanto, depois de 15 anos a tentar estudar o fraco brilho emitido por exoplanetas quentes do tipo de Júpiter, os astrónomos conseguiram finalmente pela primeira vez, determinar a estrutura da atmosfera de Tau Boötis b e deduzir a sua massa de forma precisa. A equipa utilizou o instrumento CRICES [2] montado no Very Large Telescope (VLT), instalado no Observatório do Paranal do ESO, no Chile. Os astrónomos combinaram observações infravermelhas de alta qualidade (com comprimentos de onda da ordem dos 2.3 microns) [3] com uma técnica nova que consegue extrair o fraco sinal emitido pelo planeta, da radiação muito mais forte emitida pela estrela hospedeira [4].
O autor principal do estudo Matteo Brogi (Observatório de Leiden, Holanda) explica: "Graças à elevada qualidade das observações fornecidas pelo VLT e pelo CRICES conseguimos estudar o espectro do sistema com muito mais detalhe do que o que era possível até agora. Apenas 0.01% da radiação observada é emitida pelo planeta, enquanto que o resto vem da estrela, por isso não foi nada fácil separar esta contribuição".
A maioria dos planetas que orbitam outras estrelas foram descobertos pelo efeito gravitacional que exercem nas estrelas hospedeiras, o que limita a informação que podemos retirar sobre a sua massa: apenas podemos calcular um limite inferior para a massa do planeta [5]. Esta nova técnica é muito mais poderosa. Conseguir observar a radiação que vem diretamente do planeta permitiu aos astrónomos medir o ângulo da órbita do planeta e consequentemente determinar a sua massa de forma precisa. Ao traçar as variações do movimento do planeta à medida que este orbita a estrela, a equipa pôde determinar, pela primeira vez, que Tau Boötis b orbita a sua estrela hospedeira com um ângulo de 44 graus e tem uma massa igual a seis vezes a massa do planeta Júpiter no nosso Sistema Solar.
"As novas observações do VLT solucionam o problema, velho de 15 anos, da massa de Tau Boötis b. E a nova técnica significa também que agora podemos estudar as atmosferas de exoplanetas que não transitam as suas estrelas, e podemos igualmente medir as suas massas de forma precisa, o que era impossível antes," diz Ignas Snellen (Observatório de Leiden, Holanda), co-autor do artigo científico que descreve o trabalho. "Este é um grande passo em frente."
Para além de detectar o brilho da atmosfera e medir a massa de Tau Boötis b, a equipa estudou a atmosfera e mediu a quantidade de monóxido de carbono presente, assim como a temperatura a diferentes altitudes por meio da comparação entre as observações e modelos teóricos. Um resultado surpreendente deste trabalho prende-se com o facto das novas observações indicarem uma atmosfera com uma temperatura que decresce com a altitude. Este resultado é o oposto do esperado da inversão de temperatura - um aumento da temperatura com a altitude - encontrada em outros exoplanetas quentes do tipo de Júpiter [6][7].
As observações do VLT mostram que a espectroscopia de alta resolução obtida por telescópios terrestres é uma ferramenta valiosa na análise detalhada das atmosferas de exoplanetas que não transitam. A detecção de diferentes moléculas no futuro permitirá aos astrónomos aprender mais sobre as condições atmosféricas do planeta. Ao medir estas condições atmosféricas ao longo da órbita do planeta, os astrónomos poderão mesmo ser capazes de encontrar variações atmosféricas entre as manhãs e as tardes do planeta.
"Este estudo mostra o enorme potencial dos atuais e futuros telescópios terrestres, tais como o E-ELT. Talvez um dia possamos desde modo encontrar evidências de actividade biológica em planetas do tipo da Terra", conclui Ignas Snellen.
Notas
[1] O nome do planeta, Tau Boötis b, combina o nome da estrela (Tau Bootis ou τ Bootis, onde τ é a letra grega "tau" e não a letra t) com a letra "b" que indica que este é o primeiro planeta encontrado em torno desta estrela. A designação Tau Boötis a é utilizada para a estrela propriamente dita.
[2] Sigla do inglês CRyogenic InfraRed Echelle Spectrometer
[3] A comprimentos de onda infravermelhos, a estrela hospedeira emite menos radiação que no regime óptico, por isso este é o comprimento de onda favorável para separar o fraco sinal emitido pelo planeta.
[4] Este método utiliza a velocidade do planeta em órbita da sua estrela hospedeira para separar a emissão planetária da emissão estelar e também da emissão vinda da própria atmosfera terrestre. A mesma equipa de astrónomos testou esta técnica anteriormente num planeta que transita, medindo a velocidade orbital durante a sua passagem em frente ao disco estelar.
[5] Isto deve-se ao facto da inclinação da órbita ser geralmente desconhecida. Se a órbita do planeta está inclinada relativamente à linha de visão entre a Terra e a estrela, então um planeta com maior massa causa o mesmo efeito de movimento para trás e para a frente da estrela que um planeta mais leve numa órbita menos inclinada, não sendo possível separar os dois efeitos.
[6] Pensa-se que as inversões térmicas são caracterizadas pelas bandas moleculares em emissão no espectro, em vez das em absorção, tal como observado em fotometria de exoplanetas quentes do tipo de Júpiter com o Telescópio Espacial Spitzer. O exoplaneta HD209458b é o melhor exemplo de inversões térmicas em atmosferas de exoplanetas.
[7] Esta observação apoia modelos nos quais a emissão ultravioleta forte associada a actividade cromosférica - semelhante à exibida pela estrela hospedeira de Tau Boötis b - é responsável pela inibição da inversão térmica.
Informações adicionais
Este trabalho foi descrito num artigo científico "The signature of orbital motion from the dayside of the planet τ Boötis b" que será publicado na revista Nature a 28 de Junho de 2012.
A equipa é composta por Matteo Brogi (Observatório de Leiden, Holanda), Ignas A. G. Snellen (Observatório de Leiden), Remco J. de Kok (SRON, Utrecht, Holanda), Simon Albrecht (Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, EUA), Jayne Birkby (Observatório de Leiden) e Ernst J. W. de Mooij (Universidade de Toronto, Canadá; Observatório de Leiden).
O ano de 2012 marca o quinquagésimo aniversário da fundação do Observatório Europeu do Sul (ESO). O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO é financiado por 15 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e funcionamento de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta, no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é o parceiro europeu do revolucionário telescópio ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. O ESO encontra-se a planear o European Extremely Large Telescope, E-ELT, um telescópio da classe dos 40 metros que observará na banda do visível e próximo infravermelho. O E-ELT será "o maior olho no céu do mundo".
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Sobre a Nota de Imprensa
Nº da Notícia: | eso1227pt |
Nome: | Tau Boötis b |
Tipo: | Milky Way : Star : Circumstellar Material : Planetary System |
Facility: | Very Large Telescope |
Instrumentos: | CRIRES |
Science data: | 2012Natur.486..502B |