Nota de Imprensa

Investigando uma Colisão Galáctica

22 de Junho de 2011

Uma equipa de cientistas estudou o enxame de galáxias Abell 2744, o chamado enxame de Pandora, e reconstruiu a história violenta e complexa deste enxame utilizando telescópios no espaço e no solo, incluindo o Very Large Telescope do ESO e o Telescópio Espacial Hubble. O enxame Abell 2744 parece ser o resultado de uma junção simultânea de, pelo menos, quatro enxames de galáxias separados. Desta complexa colisão resultaram efeitos estranhos, que nunca antes tinham sido observados em simultâneo.

Quando grandes enxames de galáxias chocam uns com os outros, o resultado é um tesouro de informação para os astrónomos. Ao investigar um dos mais complexos e invulgares enxames em colisão no céu, uma equipa internacional de astrónomos reconstruiu a história de uma colisão cósmica que ocorreu durante um período de 350 milhões de anos.

Julian Merten, um dos cientistas líderes deste novo estudo sobre o enxame Abell 2744 explica: “Tal como um investigador que ao estudar uma colisão descobre a causa de um acidente, nós podemos utilizar observações  destes empilhados cósmicos para reconstruir os acontecimentos que tiveram lugar durante um período de centenas de milhões de anos. Este estudo revela-nos como se formam estruturas no Universo e como interagem diferentes tipos de matéria ao chocar uns com os outros.”

“Demos-lhe a alcunha de Enxame de Pandora devido aos fenómenos tão diferentes e estranhos que resultaram da colisão. Alguns destes fenómenos nunca tinham sido observados anteriormente,” acrescenta Renato Dupke, outro membro da equipa.

O enxame Abell 2744 foi estudado com mais detalhe do que nunca, combinando dados do Very Large Telescope do ESO (VLT), do telescópio japonês Subaru, do Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA e do Observatório de Raios X Chandra da NASA.

As galáxias do enxame são facilmente visíveis nas imagens do VLT e do Hubble. As galáxias, embora brilhantes, correspondem na realidade a menos que 5% da massa do enxame. O resto é gás (cerca de 20%), tão quente que brilha apenas em raios X, e matéria escura (cerca de 75%), que é completamente invisível. Para compreender o que estava a acontecer durante a colisão a equipa precisou de mapear as posições dos três tipos de matéria no Abell 2744.

A matéria escura é particularmente difícil de observar uma vez que não emite, absorve ou reflete radiação (daí o seu nome). Apenas se torna aparente através da sua atração gravitacional. Para determinar a localização desta substância misteriosa a equipa utilizou o efeito conhecido como lente gravitacional. Trata-se da curvatura que sofrem os raios de luz de galáxias distantes quando passam através dos campos gravitacionais presentes no enxame. O resultado é uma série de distorções observadas nas imagens de galáxias de campo nas observações do VLT e do Hubble. Ao analisar cuidadosamente a forma como estas imagens estão distorcidas, é possível mapear de modo muito preciso onde é que a massa escondida - e portanto a matéria escura - se encontra.

Por comparação, encontrar o gás quente no enxame é bem mais fácil, já que o Observatório de Raios X Chandra da NASA o pode observar diretamente. Estas observações não são apenas cruciais para determinar onde se encontra o gás, mas também nos mostram os ângulos e as velocidades às quais as diferentes componentes do enxame se juntaram.

Quando os astrónomos estudaram todos estes resultados descobriram muitos fenómenos curiosos. “O Abell 2744 parece ter-se formado a partir de quatro enxames diferentes envolvidos numa série de colisões durante um período de cerca de 350 milhões de anos. A distribuição irregular e complicada dos diferentes tipos de matéria é extremamente invulgar e fascinante,” diz Dan Coe, o outro autor principal do estudo.

Parece que a colisão complexa separou parte do gás quente e da matéria escura de tal maneira que estes se encontram atualmente afastados um do outro e também das galáxias visíveis. O Enxame de Pandora combina vários fenómenos que apenas tinham sido observados de forma individual noutros sistemas.

Próximo do centro do enxame encontra-se uma “bala”, onde o gás de um enxame colidiu com o de outro criando uma onda de choque. A matéria escura passou pela colisão sem ser afetada [1].

Noutra parte do enxame parece haver galáxias e matéria escura, mas nenhum gás quente. O gás pode ter sido varrido durante a colisão, deixando apenas um fraco rastro.
 
Estruturas ainda mais estranhas podem ser observadas nas regiões mais exteriores do enxame. Uma região contém muita matéria escura, mas nenhuma galáxia luminosa ou gás quente. Um nódulo de gás difuso e isolado foi ejetado, o qual precede, em vez de seguir, a matéria escura associada. Esta distribuição enigmática pode estar a dizer aos astrónomos algo sobre como a matéria escura se comporta e como os vários ingredientes do Universo interagem entre si.

Os enxames de galáxias são as maiores estruturas no cosmos, contendo literalmente biliões de estrelas. O modo como se formam e se desenvolvem através de colisões repetidas tem profundas implicações no nosso conhecimento do Universo. Estão em progresso mais estudos do enxame de Pandora, o objeto em fusão mais complexo e fascinante alguma vez encontrado.

Notas

[1] Este efeito foi observado anteriormente em algumas colisões de enxames de galáxias, incluindo o “Enxame Bala” original, 1E 0657-56.

Informações adicionais

Este trabalho foi descrito num artigo científico intitulado “Creation of cosmic structure in the complex galaxy cluster merger Abell 2744”, que será publicado na revista da especialidade Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

A equipa é composta por J. Merten (Instituto de Astrofísica Teórica, Heidelberg, Alemanha; INAF-Osservatorio Astronomico di Bologna, Itália), D. Coe (Space Telescope Science Institute, Baltimore, USA), R. Dupke (University of Michigan, USA; Eureka Scientific, USA; Observatório National, Rio de Janeiro, Brasil), R. Massey (University of Edinburgh, Escócia), A. Zitrin (Universidade de Tel Aviv, Israel), E.S. Cypriano (Universidade de São Paulo, Brasil), N. Okabe (Academia Sinica Institute of Astronomy and Astrophysics, Ilha Formosa), B. Frye (University of San Francisco, USA), F. Braglia (University of British Columbia, Canadá), Y. Jimenez-Teja (Instituto de Astrofisica de Andalucia, Granada, Espanha), N. Benitez (Instituto de Astrofisica de Andalucia), T. Broadhurst (Universidade do País Basco, Espanha), J. Rhodes (Jet Propulsion Laboratory/Caltech, USA), M. Meneghetti (INAF-Osservatorio Astronomico di Bologna, Itália), L. A. Moustakas (Caltech), L. Sodre Jr. (Universidade  de São Paulo, Brasil), J. Krick (Spitzer Science Center/IPAC/Caltech, USA) e J. N. Bregman (University of Michigan).

O ESO, o Observatório Europeu do Sul, é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO é  financiado por 15 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e funcionamento de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta, no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera  o Very Large Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é o parceiro europeu do revolucionário telescópio  ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. O ESO encontra-se a planear o European Extremely Large Telescope, E-ELT, um telescópio de 42 metros que observará na banda do visível e próximo infravermelho. O E-ELT será “o maior olho no céu do mundo”.

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Este texto é a tradução da Nota de Imprensa do ESO eso1120, cortesia do ESON, uma rede de pessoas nos Países Membros do ESO, que servem como pontos de contacto local com os meios de comunicação social, em ligação com os desenvolvimentos do ESO. A representante do nodo português é Margarida Serote.

Sobre a Nota de Imprensa

Nº da Notícia:eso1120pt
Nome:Abell 2744
Tipo:Early Universe : Galaxy : Grouping : Cluster
Facility:Hubble Space Telescope, Very Large Telescope
Instrumentos:FORS1
Science data:2011MNRAS.417..333M

Imagens

X-rays, dark matter and galaxies in the cluster Abell 2744
X-rays, dark matter and galaxies in the cluster Abell 2744
apenas em inglês
Pandora’s cluster (VLT view)
Pandora’s cluster (VLT view)
apenas em inglês
Pandora’s Cluster (combined Hubble and VLT view)
Pandora’s Cluster (combined Hubble and VLT view)
apenas em inglês
Pandora’s Cluster — Hubble view of Abell 2744
Pandora’s Cluster — Hubble view of Abell 2744
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Wide-field view of Abell 2744
Wide-field view of Abell 2744
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Vídeos

ESOcast 31: Pandora's Cluster
ESOcast 31: Pandora's Cluster
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Simulation of the merging events in Abell 2744
Simulation of the merging events in Abell 2744
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Zooming in on Pandora’s Cluster
Zooming in on Pandora’s Cluster
apenas em inglês
Pan across Abell 2744, Pandora’s Cluster
Pan across Abell 2744, Pandora’s Cluster
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