Nota de Imprensa

Limpando o Nevoeiro Cósmico

Medida a galáxia mais distante

20 de Outubro de 2010

Uma equipa de astrónomos europeus utilizou o Very Large Telescope (VLT) do ESO para medir a distância à galáxia mais distante conhecida até hoje. Ao analisar cuidadosamente a fraca luminosidade da galáxia, a equipa descobriu que está na realidade a observar esta galáxia quando o Universo tinha apenas 600 milhões de anos (o que corresponde a um desvio para o vermelho de 8.6). Estas são as primeiras observações confirmadas de uma galáxia cuja radiação está a dissipar o denso nevoeiro de hidrogénio que enchia o Universo primordial. Estes resultados aparecem no número desta semana da revista Nature.

“Utilizando o Very Large Telescope do ESO confirmámos que uma galáxia descoberta anteriormente com o Hubble é o objecto mais distante identificado até agora no Universo” [1], diz Matt Lehnert (Observatoire de Paris), autor principal do artigo que apresenta os resultados. “O poder do VLT e do espectrógrafo SINFONI permitiu-nos medir efectivamente a distância a esta galáxia muito ténue e descobrimos que, na realidade, estamos a observá-la quando o Universo tinha menos de 600 milhões de anos.”

Estudar estas galáxias primordiais é extremamente difícil. Quando a sua luz inicialmente brilhante chega à Terra, já parecem muito ténues e pequenas. Além disso, esta radiação fraca chega-nos na região infravermelha do espectro electromagnético porque o seu comprimento de onda foi esticado devido à expansão do Universo - um efeito conhecido como desvio para o vermelho. Para tornar as coisas ainda piores, nos primeiros tempos do Universo, a menos de um milhar de milhão  de anos depois do Big Bang, o Universo não era completamente transparente, encontrando-se cheio de nevoeiro de hidrogénio que absorvia a intensa radiação ultravioleta emitida pelas galáxias jovens. Este período em que o nevoeiro ainda estava a ser dissipado pela radiação ultravioleta é conhecido como a Era da Reionização [2]. Apesar destes desafios, a nova Câmara 3 de Grande Campo do Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA descobriu em 2009 vários objectos candidatos a galáxias brilhando na era da reionização [3]. Confirmar as distâncias a tais objectos tão distantes e ténues constitui um enorme desafio e apenas pode ser conseguido com o uso de espectroscopia feita por telescópios terrestres muito grandes [4], ao medir o desvio para o vermelho da radiação da galáxia.

Matt Lehnert continua: “Depois do anúncio do Hubble sobre as galáxias candidatas, fizemos um pequeno cálculo e ficámos entusiasmados ao descobrir que o imenso poder colector do VLT, quando combinado com a sensitividade do espectrógrafo infravermelho SINFONI, e um tempo de exposição muito longo poderia permitir-nos detectar o brilho ténue de uma destas galáxias distantes e assim medir a sua distância.”

A equipa fez um pedido especial ao Director Geral do ESO, obteve tempo de observação no VLT e observou a galáxia candidata UDFy-38135539 [5] durante 16 horas. Depois de dois meses de análise detalhada dos dados e teste dos resultados, a equipa descobriu que tinha efectivamente detectado o brilho muito fraco vindo do hidrogénio a um desvio para o vermelho de 8.6, o que torna esta galáxia no objecto mais distante alguma vez confirmado por espectroscopia. Um desvio para o vermelho de 8.6 corresponde a uma galáxia vista a apenas 600 milhões de anos depois do Big Bang.

A co-autora Nicole Nesvadba (Institut d´Astrophysique Spatiale) comenta: “Medir o desvio para o vermelho da galáxia mais distante é bastante importante por si só, mas as implicações astrofísicas desta detecção são ainda mais importantes. Esta é a primeira vez que sabemos com toda a certeza que estamos a observar uma das galáxias que dissipou o nevoeiro que enchia o Universo primordial.”

Um dos factos surpreendentes relativo a esta descoberta é que o brilho da UDFy-38135539 parece não ser suficientemente forte por si só para dissipar o nevoeiro de hidrogénio. “Devem existir outras galáxias, provavelmente menos brilhantes e de menor massa, companheiras da UDFy-38135539 que também ajudam a tornar o espaço entre as galáxias transparente. Sem esta ajuda adicional, a radiação da galáxia, por mais brilhante que fosse, ficaria presa no nevoeiro de hidrogénio circundante e não a teríamos observado”, explica o co-autor Mark Swinbank (University of Durham).

O co-autor Jean-Gabriel Cuby (Laboratoire d´Astrophysique de Marseille) diz: “Estudar a era da reionização e da formação de galáxias é levar ao extremo as capacidades dos actuais telescópios e instrumentos, mas será apenas ciência de rotina quando o European Extremely Large Telescope do ESO - que será o maior telescópio do mundo a trabalhar nas bandas do visível e infravermelho próximo - estiver operacional.”

Notas

[1] Um resultado ESO anterior (eso0405) noticiava um objecto a uma distância maior (desvio para o vermelho de 10). No entanto, trabalho posterior não confirmou este resultado, não se encontrando um objecto de igual brilho nessa posição. Observações recentes do Telescópio Espacial Hubble mostraram-se inconclusivas. A identificação deste objecto com uma galáxia muito distante já não é considerada válida pela maioria dos astrónomos.

[2] Quando o Universo arrefeceu depois do Big Bang, há cerca de 13.7 mil milhões de anos, os electrões e os protões combinaram-se para formar hidrogénio gasoso. Este gás escuro frio era o constituinte principal do Universo durante a chamada Idade das Trevas, quando não existiam ainda objectos luminosos. Esta fase terminou eventualmente quando as primeiras estrelas se formaram e a sua intensa radiação ultravioleta foi lentamente tornando transparente este nevoeiro de hidrogénio ao separar outra vez os átomos de hidrogénio em electrões e protões, um processo conhecido por reionização. Esta época do Universo primordial durou desde os 150 aos 800 milhões de anos depois do Big Bang. Compreender como é que se processou a reionização e como se formaram e evoluíram as primeiras galáxias é um dos maiores desafios da cosmologia moderna.

[3] Estas observações Hubble estão descritas em http://www.spacetelescope.org/news/heic1001/

[4] Os astrónomos dispõem de duas maneiras principais de encontrar e medir distâncias às galáxias primordiais. Podem obter imagens muito profundas através de diferentes filtros e medir o brilho de muitos objectos a diferentes comprimentos de onda e seguidamente comparar estes brilhos ao que é esperado de galáxias de diferentes tipos em diferentes alturas da história do Universo. Esta é a única maneira disponível actualmente para descobrir galáxias muito pouco luminosas e é a técnica utilizada pela equipa do Hubble. Mas esta técnica nem sempre é fiável. Por exemplo, o que parece ser uma galáxia muito distante e pouco luminosa pode, por vezes, ser simplesmente uma estrela fria na nossa Via Láctea.

Uma vez que objectos candidatos são descobertos, medidas mais fiáveis da distância (medidas do desvio para o vermelho) podem ser obtidas ao separar a radiação emitida por um candidato nas suas componentes de cor e procurando indícios da emissão de hidrogénio ou de outros elementos na galáxia. Esta aproximação espectroscópica é o único meio pelo qual os astrónomos podem obter medições de distância o mais fiáveis e exactas possível.

[5] Este nome estranho indica que este objecto foi encontrado no rastreio do céu Ultra Deep Field e o número dá a posição precisa do respectivo objecto no céu.

Informações adicionais

Este trabalho foi apresentado num artigo científico “Spectroscopic confirmation of a galaxy at redshift z=8.6, Lehnert et al.”, que sairá no número de 21 de Outubro de 2010 da revista Nature.

A equipa é composta por M. D. Lehnert (Observatoire de Paris – Laboratoire GEPI / CNRS-INSU / Université Paris Diderot, França), N. P. H. Nesvadba (Institut d’Astrophysique Spatiale / CNRS-INSU / Université Paris-Sud, França), J.-G.Cuby (Laboratoire d’Astrophysique de Marseille / CNRS-INSU / Université de Provence, França), A. M. Swinbank (University of Durham, UK), S. Morris (University of Durham, UK), B. Clément (Laboratoire d’Astrophysique de Marseille / CNRS-INSU / Université de Provence, França), C. J. Evans (UK Astronomy Technology Centre, Edinburgh, UK), M. N. Bremer (University of Bristol, UK) e S. Basa (Laboratoire d’Astrophysique de Marseille / CNRS-INSU / Université de Provence, França).

O ESO, o Observatório Europeu do Sul, é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO é  financiado por 14 países: Áustria, Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Itália, Holanda, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e funcionamento de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta, no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera  o Very Large Telescope, o observatório astronómico, no visível, mais avançado do mundo e o VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo. O ESO é o parceiro europeu do revolucionário telescópio  ALMA, o maior projecto astronómico que existe actualmente. O ESO encontra-se a planear o European Extremely Large Telescope, E-ELT, um telescópio de 42 metros que observará na banda do visível e próximo infravermelho. O E-ELT será “o maior olho no céu do mundo”.

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Este texto é a tradução da Nota de Imprensa do ESO eso1041, cortesia do ESON, uma rede de pessoas nos Países Membros do ESO, que servem como pontos de contacto local com os meios de comunicação social, em ligação com os desenvolvimentos do ESO. A representante do nodo português é Margarida Serote.

Sobre a Nota de Imprensa

Nº da Notícia:eso1041pt
Nome:UDFy-38135539
Tipo:Early Universe : Galaxy
Facility:Very Large Telescope
Instrumentos:SINFONI
Science data:2010Natur.467..940L

Imagens

Galaxies during the era of reionisation in the early Universe (simulation)
Galaxies during the era of reionisation in the early Universe (simulation)
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Hubble image of the distance-record galaxy UDFy-38135539
Hubble image of the distance-record galaxy UDFy-38135539
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ESOcast 22: The most distant galaxy ever measured
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Video News Release 31: The most distant galaxy ever measured (eso1041b)
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Zooming in on the most distant galaxy ever measured
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The era of reionisation (simulation)
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The era of reionisation (artist’s impression)
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