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Nota de Imprensa

Explicados os "regadores" cósmicos

Estranho par de estrelas velhas esculpe forma espetacular numa nebulosa planetária

8 de Novembro de 2012

Os astrónomos utilizaram o Very Large Telescope do ESO para descobrir um par de estrelas que orbitam em torno uma da outra no centro de um dos mais fantásticos exemplos de nebulosas planetárias. O novo resultado confirma uma teoria há muito debatida sobre o que controla a aparência espetacular e simétrica do material que é lançado no espaço. Os resultados serão publicados a 9 de novembro de 2012 na revista Science.

As nebulosas planetárias [1] são conchas brilhantes de gás que se situam em volta de anãs brancas - estrelas do tipo do Sol nas fases finais das suas vidas. Fleming 1 é um belo exemplo de tais objetos, apresentando jatos extraordinariamente simétricos [2], entrelaçados em padrões curvos e nodosos. Está situada na constelação austral do Centauro e foi descoberta há cerca de um século atrás por Williamina Fleming [3], uma antiga governanta contratada pelo Observatório de Havard, depois de ter mostrada aptidão para a astronomia.

Os astrónomos debatem desde há muito como é que estes jatos simétricos se podem criar, sem nunca chegar a um consenso. Agora, uma equipa de investigação liderada por Henri Boffin (ESO, Chile) combinou observações de Fleming 1 do Very Large Telescope (VLT) com modelos de computador existentes, para explicar pela primeira vez em pormenor como é que estes estranhos jatos se formam.

A equipa utilizou o VLT do ESO para estudar a radiação emitida pela estrela central e descobriu que a Fleming 1 tem provavelmente, não uma, mas duas anãs brancas no seu centro, orbitando em torno uma da outra a cada 1,2 dias. Embora estrelas binárias tenham já sido encontradas anteriormente no coração de nebulosas planetárias, o certo é que os sistemas com duas anãs brancas a orbitar uma em torno da outra são muito raros [4].

"A origem das belas e complicadas formas da Fleming 1, e objetos semelhantes, tem dado muito controvérsia ao longo de décadas," diz Henri Boffin. "Os astrónomos tinham já sugerido uma estrela binária, mas pensou-se sempre que, sendo esse o caso, o par estaria bem separado, com um período orbital de dezenas de anos ou ainda mais longo. Graças aos nossos modelos e observações, que nos permitiram examinar este invulgar sistema com muito pormenor e espreitar mesmo para o interior do coração da nebulosa, descobrimos que as estrelas do par se encontram vários milhares de vezes mais próximas entre si."

Quando uma estrela com massa até oito vezes a massa do Sol a aproxima do final da sua vida, ejeta as suas camadas exteriores, começando assim a perder massa. Este fenómeno permite que o núcleo interior quente da estrela emita intensamente, o que faz com que o casulo de gás que se desloca para o exterior brilhe fortemente sob a forma de nebulosa planetária.

Embora as estrelas sejam esféricas, muitas das nebulosas planetárias são curiosamente complexas, com nodos, filamentos e jatos intensos de material que formam padrões intrincados. Algumas das nebulosas mais espetaculares - como a Fleming 1 - mostram estruturas simétricas com pontas [5]. No caso desta nebulosa, temos a sensação de que a matéria é ejetada a partir de ambos os pólos da região central em correntes de formas em S. Este novo estudo mostra que estes padrões na Fleming 1 são o resultado da interação próxima entre o par de estrelas - um surpreendente canto do cisne de um par estelar.

"Este é o estudo mais completo feito para uma estrela central binária, onde as simulações predizem corretamente qual a forma da nebulosa circundante, de um modo verdadeiramente espetacular," explica o co-autor Brent Miszalski, do SAAO e SALT (África do Sul).

O par de estrelas no centro desta nebulosa torna-se indispensável para explicar a estrutura observada. À medida que as estrelas envelhecem, expandem e, durante algum tempo, uma actua como uma estrela vampira, sugando a matéria da sua companheira. Essa matéria circula por isso na direção da estrela vampira, circundando-a em forma de disco, o chamado disco de acreção [6]. À medida que as duas estrelas orbitam em torno uma da outra, ambas interagem com o disco, fazendo com que este se comporte como um pião rodando de forma desengonçada - um tipo de movimento chamado precessão. Este movimento afecta o comportamento de qualquer material que tenha sido ejetado a partir dos pólos do sistema, tal como os jatos que se deslocam para o exterior. Este estudo confirma assim que discos de acreção em movimento de precessão existentes no interior de sistemas binários, provocam padrões simétricos extraordinários em torno de nebulosas planetárias como a Fleming 1.

As imagens profundas do VLT levaram também à descoberta de um anel de matéria no interior da nebulosa. Sabe-se que tal anel de matéria existe noutras famílias de sistemas binários, parecendo ser uma assinatura da presença de um par estelar.

"Os nossos resultados confirmam de modo consistente o papel desempenhado pela interação entre pares de estrelas, no sentido de darem forma, ou até formarem, as nebulosas planetárias," conclui Boffin. 

Notas

[1] As nebulosas planetárias não têm nada a ver com planetas. O nome surgiu no século XVIII porque alguns destes objetos se pareciam com discos de planetas distantes, quando observados através de pequenos telescópios.

[2] Os jatos consistem em gás que se desloca muito rapidamente para o exterior, ejetado pelas regiões centrais das nebulosas planetárias. São muitas vezes colimados - i.e. o material desloca-se em faixas paralelas - o que significa que se espalham muito pouco à medida que se propagam no espaço.

[3] Fleming 1 tem o nome da astrónoma escocesa Williamina Fleming, que descobriu este objeto em 1910. Trabalhando inicialmente como governanta do diretor do Observatório de Havard, na década de 1880, Fleming foi posteriormente contratada para processar dados astronómicos no observatório, como um dos “Computadores de Havard”, um grupo de trabalhadoras dotadas em cálculos matemáticos e trabalho administrativo. Fleming descobriu - e foi reconhecida pela descoberta de - diversos objetos astronómicos, incluindo 59 nebulosas gasosas, mais de 310 estrelas variáveis e 10 novae. Este objeto tem também outros nomes, como por exemplo PN G290.5+07.9, ESO 170-6 e Hen 2-66.

[4] A equipa estudou as estrelas com o auxílio do instrumento FORS montado no Very Large Telescope do ESO, no Observatório do Paranal, Chile. Para além de obterem imagens do objeto, a equipa separou também a radiação nas suas diversas componentes, de modo a tirar informação sobre os movimentos, temperatura e composição química do objeto central.

Descobriu-se que as estrelas primária e secundária têm aproximadamente 0,5 a 0,86 e 0,7 a 1,0 massas solares, respetivamente. A equipa conseguiu excluir a possibilidade de um dos objetos centrais ser uma estrela “normal” como o Sol, analisando a radiação emitida pelas duas estrelas e estudando o brilho do sistema. À medida que o sistema roda, o seu brilho varia muito pouco. Uma estrela normal teria sido aquecida pela anã branca quente e, por isso, apresentaria sempre a mesma face à sua companheira (tal como a Lua faz com a Terra), possuindo assim um lado “quente e luminoso” e outro “frio e escuro”, o que seria facilmente observado como uma variação regular no brilho. Assim, o objeto central consiste, muito provavelmente, num par de anãs brancas - uma descoberta assaz rara e exótica.

[5] Neste caso, cada parte da nebulosa tem um gémeo exato, à mesma distância da estrela mas em direções opostas - uma espécie de simetria como a que é vista nos naipes das cartas de um baralho.

[6] Tal disco é formado quando a corrente de matéria que escapa da estrela ultrapassa um certo limite, conhecido como o lóbulo de Roche. No interior deste lóbulo, toda a matéria está confinada à sua estrela hospedeira por efeito da gravidade, não podendo por isso escapar. Quando o lóbulo se enche e a fronteira é ultrapassada, a massa afasta-se da estrela, transferindo-se para um corpo próximo, por exemplo, a estrela secundária de um sistema binário, formando deste modo um disco de acreção.

Informações adicionais

Este trabalho foi apresentado num artigo científico “An Interacting Binary System Powers Precessing Outflows of an Evolved Star”, H. M. J. Boffin et al., que será publicado na revista Science a 9 de novembro de 2012.

A equipa é composta por H. M. J. Boffin (Observatório Europeu do Sul, Chile), B. Miszalski (Observatório Astronómico da África do Sul; Southern African Large Telescope Foundation, África do Sul), T. Rauch (Instituto de Astronomia e Astrofísica, Universidade de Tübingen, Alemanha), D. Jones (Observatório Euroepu do Sul, Chile), R. L. M. Corradi (Instituto de Astrofísica de Canarias; Departamento de Astrofísica, Universidad de La Laguna, Espanha), R. Napiwotzki (University of Hertfordshire, Reino Unido), A. C. Day-Jones (Universidad de Chile, Chile), e J. Köppen (Observatoire de Strasbourg, França).

O ano de 2012 marca o quinquagésimo aniversário da fundação do Observatório Europeu do Sul (ESO). O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO é  financiado por 15 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e funcionamento de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta, no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera  o Very Large Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é o parceiro europeu do revolucionário telescópio  ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. O ESO encontra-se a planear o European Extremely Large Telescope, E-ELT, um telescópio de 39 metros que observará na banda do visível e próximo infravermelho. O E-ELT será “o maior olho no céu do mundo”.

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Este texto é a tradução da Nota de Imprensa do ESO eso1244, cortesia do ESON, uma rede de pessoas nos Países Membros do ESO, que servem como pontos de contacto local com os meios de comunicação social, em ligação com os desenvolvimentos do ESO. A representante do nodo português é Margarida Serote.

Sobre a Nota de Imprensa

Nº da Notícia:eso1244pt
Nome:Fleming 1, PN G290.5+07.9
Tipo:Milky Way : Nebula : Type : Planetary
Facility:Very Large Telescope
Instrumentos:FORS2
Science data:2012Sci...338..773B

Imagens

A nebulosa planetária Fleming 1 observada com o Very Large Telescope do ESO
A nebulosa planetária Fleming 1 observada com o Very Large Telescope do ESO
A nebulosa planetária Fleming 1 na constelação do Centauro
A nebulosa planetária Fleming 1 na constelação do Centauro
Vista de grande angular do céu em torno da nebulosa planetária Fleming 1
Vista de grande angular do céu em torno da nebulosa planetária Fleming 1
Impressão artística de como se formam os jactos de uma nebulosa planetária
Impressão artística de como se formam os jactos de uma nebulosa planetária

Vídeos

Zoom na direção da nebulosa planetária Fleming 1
Zoom na direção da nebulosa planetária Fleming 1
Vista de pormenor da nebulosa planetária Fleming 1 obtida pelo Very Large Telescope do ESO
Vista de pormenor da nebulosa planetária Fleming 1 obtida pelo Very Large Telescope do ESO
Visão artística da formação dos jatos de uma nebulosa planetária
Visão artística da formação dos jatos de uma nebulosa planetária